A pele era macia e tão luminosa. Amara se acolheu naquele braço inalando um aroma feliz e igualmente macio. Enquanto a maciez entrava em suas narinas pequenas, Amara pensava em como seria o mar. Já ouvira falar do figurão inúmeras vezes “sim. Deverá ser imenso e azul” um pensamento resumido, perto de tudo que se passava em sua cabeça.
- veremos peixes, titia? – perguntou.
- muito pouco provável querida.
“com sorte, veremos sim!” pensava Amara.
- e veremos muitos pássaros também! – suspirou a pequena, se acolhendo ainda mais nos braços sardentos de sua tia.
Cássia sentia-se feliz em levar sua pequena sobrinha para ver o mar pela primeira vez. Mesmo sendo uma obrigação, era prazerosa. Cássia sabia que se ela não o fizesse ninguém mais o faria; Afinal, Amara era órfã e seus avós eram muito idosos para agüentarem toda aquela energia. Durante o longo percurso, Cássia não consegue evitar o saudosismo: “seria completo se o Augusto nos levasse. porque ficamos esperando a vida começar? O que faz ela começar?” e óbvio “porque Augusto me deixou? O que faz uma mulher de meia-idade abandonada? E pior! Porque a porra da vida não começa?! Onde está o maldito “pra sempre” que sempre falam?!”
Ao fundo ouvia uma voz fina empolgada, fazendo mil perguntas. Cássia não respondeu nenhuma delas. Invés disso, sorria e lhe olhava nos olhos, imaginando se também era cheia de sonhos e expectativas quando tinha a idade de Amara. A pequena não se importava com o percurso longo, com o ônibus coletivo lotado, muito menos com os odores expelidos naquele coletivo, afinal ela tinha os braços de sua Titia para lhe salvar.
Nesse momento, Amara dá um pulo e aponta:
- olha ele ali! Eu sabia que era mais bonito que na tevê. – e fez um respirar profundo, pressentindo o cheiro azul de sal.
Cássia sorri, espera o ônibus parar e segura aquela mãozinha rechonchuda deixando-se conduzir pelos passos embriagados infantis de sua sobrinha, que ainda reclama:
- vemlogotitia!
Como se toda aquela massa de água pudesse se deslocar em cinco minutos para o oco do mundo, só pra Amara ficar aborrecida.
Escolheram um quadrado na areia quente e branca, estenderam uma toalha colorida, e com poucos olhares Tia Cássia repreendia a pressa da sobrinha que não se intimidava e não cansava de dar pulos e apressá-la.
Cássia, sem pressa passava o bloqueador solar na menina gorduchinha, e a apertava levemente, sem perceber Amara transmitia toda a felicidade necessária para mantê-la viva. Cássia nunca havia reparado como os grânulos da areia se ajustam perfeitamente aos pés das pessoas, num massagear esfoliante agradável, quase superestimado.
Soltou a menina. Que saiu correndo para o mar e foi engolida na primeira quebra de onda. Sua tia olhou assustada, mas Amara levantou a cabeça, recuperou o fôlego descabelada e soltou aquele sorriso banguela satisfeito.
Não desistiu, um pulo, dois pulos, um mergulho desengonçado. E lá estava ela, arriscando seu nadar pela primeira vez no mar. Amara parecia imensa na imensidão do mar.
Titia Cássia não resistiu e juntou-se a ela. Temerosa, arrastava a sobrinha em direção a parte mais rasa próximo a praia. Mas Amara, dava de ombros e sumia embaixo da água esverdeada.
- do que você tem medo, titia?! Eu não deixarei você se afogar!
Cássia deu um suspiro profundo e pensou “isso foi o mais próximo do “pra sempre” que já vivenciei”.
As duas brincaram durante horas, como se tivessem achado um equilíbrio em toda aquela discrepância de idade. Até seus dedos enrugarem como os de duas velhinhas, até Cássia convencer Amara que precisavam de comida e até Amara convencer Cássia que havia visto um peixe.